Nostalgia utópica.

Clara Dantas
3 min readJan 11, 2024

--

Enquanto trabalho como redatora, tenho o hábito de colocar vídeos no YouTube e ouvir as pessoas falando. Podcasts, entrevistas ou simplesmente monólogos enriquecem meu repertório de palavras e, de alguma forma, catalisam meu processo criativo.

Verificando as sugestões personalizadas dadas pela própria plataforma, acabei indo parar no canal Baka Gaijin (algo como “estrangeiro maluco” em japonês). O vídeo abaixo, especificamente, chamou muito a minha atenção.

O vídeo que foi o gatilho inicial para a produção deste texto. Agradeço a reflexão.

O sentimento que este youtuber descreve enquanto caminha é algo que eu vivencio frequentemente e que julgava ser uma experiência íntima, única, pessoal. Estava redondamente enganada.

Como assim essa sensação não é só minha? De onde ela veio?

Sempre gostei de tomar banho de chuva, até porque nasci em uma das cidades mais quentes do Brasil, situada no interior do Rio Grande do Norte. Portanto, esse fenômeno meteorológico era uma raridade naquela região.

Quando chovia, principalmente durante minha infância, eu gostava de correr ao redor da minha casa, dando voltas e mais voltas como se estivesse numa missão, sendo perseguida ou algo do tipo. Vez por outra, gostava de me proteger abaixo do telhado e contemplar a água caindo, sentindo os cabelos molhados e a pele fria.

De alguma forma, esse sentimento penetrou meu inconsciente e é algo que me deixa instantaneamente relaxada. Tanto que, quando quero dormir, basta pesquisar “barulho de chuva” e apertar o play. Tiro e queda.

No decorrer dos anos, essa sensação tornou-se mais presente, acessada a partir de recursos multimídia. A seguir, alguns produtos midiáticos que me transmitem essa mesma emoção:

Blade Runner

Até o momento (janeiro de 2024), ainda não assisti Blade Runner, mas esse monólogo me tocou e ainda toca de uma forma muito singular.

O fato de as falas do personagem terem sido um completo improviso do ator deixa a cena ainda mais fascinante.

Tudo isso enquanto uma chuva torrencial cai e as luzes frias do cenário iluminam os rostos sujos de sangue. Icônico.

After Dark

É só essa música começar a tocar que automaticamente eu me imagino em um carro, percorrendo uma rodovia vazia durante a madrugada.

A voz ecoa em meus ouvidos e me faz imaginar cenas que nunca aconteceram.

O ritmo crescente guia até o refrão — o ápice! — e então entro em um loop mental, em que memórias e fantasias se misturam.

Black Mirror

O primeiro episódio da quinta temporada de Black Mirror, intitulado Striking Vipers, é um verdadeiro show de sensações.

Como podemos ver na imagem acima, alguns cenários são marcados pela forte presença de luzes neon, junto a uma trilha sonora que remete à década de 1980 — fazendo referência à temática gamer, apresentada ainda nos primeiros minutos.

Essa mistura é capaz de deixar a nostalgia ainda mais em evidência, tornando-a um lugar comum para os personagens e o espectador.

Em todos os exemplos citados, é interessante notar a ausência do Sol. Os contextos são noturnos ou antecedem a alvorada. As luzes presentes são artificiais e valorizam a penumbra, sem a mínima intenção de iluminar todo o ambiente.

Isso pode ser familiar ou até mesmo reconfortante para uma geração de adolescentes — e posteriormente adultos — insones e depressivos que se tornaram nictófilos.

Então, qual a conclusão? Eis aqui uma fórmula pronta? Basta combinar um contexto urbano + noite + luzes neon + chuva + referências aos anos 80?

Não necessariamente.

A fuga da cidade também me encanta. Percorrer uma certa distância até chegar a um lugar afastado, silencioso, sem ninguém por perto. Algo semelhante ao descrito nas músicas Anywhere e Resistance. Romântico e um tanto erótico.

Talvez — e só talvez — o segredo esteja no mix entre os sentimentos de pertencimento, liberdade, vulnerabilidade e aceitação.

Vai entender.

--

--