Shun, o Cavaleiro de Andrômeda.

Cavaleiro, não amazona.

Clara Dantas
3 min readDec 13, 2018

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Quando criança, eu tinha um boneco do Shun. Ele e seu irmão Ikki eram os meus favoritos do anime Os Cavaleiros do Zodíaco (ou Saint Seiya, originalmente). Tive que ouvir muita piada pelo fato de Shun “parecer uma mulher” e por sua armadura ser rosa.

No começo eu rebatia, dizia que a aparência dele não o tornava menos forte. Depois de um tempo, simplesmente parei de me importar. Eu sabia que a Corrente de Andrômeda era capaz de derrotar muitos “machões” que apareciam nos episódios.

Shun vestindo a Armadura de Andrômeda para entrar em ação.

Bom, primeiro vamos entender a complexidade do personagem. Apesar de ser um guerreiro, Shun odeia a violência. Durante o anime, ele sempre tenta resolver conflitos de maneira pacífica e só parte para o confronto direto quando vê que realmente não tem outro jeito de vencer a batalha.

Por causa da personalidade dócil e da aparência andrógina, Shun sempre foi alvo de zombaria. Tudo isso porque pessoas limitadas não têm maturidade para lidar com a existência de homens que não sejam másculos, assim como recriminam mulheres que não performam feminilidade.

Tipo de chacota que a galera costuma fazer com Shun.

Acontece que a Netflix vai lançar um reboot do anime. Nessa nova versão, em vez de Shun, teremos Shaun, a amazona de Andrômeda. Quando questionado a respeito da mudança, o roteirista Eugene Son alegou que essa ação tinha como objetivo incluir uma garota na equipe, inicialmente formada apenas por homens. Basicamente, ele se apoiou no argumento da igualdade entre gêneros pra justificar sua escolha.

Ora, se a intenção realmente era essa, seria muito mais revolucionário transformar Ikki, Cavaleiro de Fênix, em mulher, considerando que ele é um personagem descrito como rude e sério (características comumente relacionadas a masculinidade). Isso sim quebraria estereótipos de gênero.

Imagem que encontrei circulando pelo Facebook e que me motivou a escrever este texto.

Eugene Son ainda falou que, 30 anos atrás, o padrão era ter somente integrantes homens em times de heróis. No entanto, é fato que Saint Seiya subverte esse padrão ao apresentar vários cavaleiros afeminados e que são extremamente fortes. Além de Shun, que é literalmente a reencarnação do deus Hades, podemos citar Misty, Cavaleiro de Prata de Lagarto, e Afrodite, Cavaleiro de Ouro de Peixes.

Afrodite de Peixes, um dos cavaleiros mais poderosos do Santuário. Seu ataque principal inclui rosas brancas (que, ao sugarem o sangue de seu oponente, tornam-se vermelhas).

A verdade é que tornar Shun uma mulher faz parte de uma agenda comercial. Uma tentativa (com fins mercadológicos, claro) de fazer uso de uma representatividade moldada para atingir mais um público-alvo. Arrisco dizer que esta foi uma ação muito preguiçosa, se levarmos em conta que eles selecionaram o personagem que já era discriminado por não ser másculo — como as pessoas esperam que um guerreiro seja.

Por fim, para evitar que algum desavisado interprete minha opinião de forma deturpada, quero reforçar: a crítica aqui não é ao fato de terem transformado um personagem masculino num feminino; mas sim por terem escolhido justamente Shun, um homem à margem dos padrões heteronormativos de comportamento e que, por isso, dava representatividade a tantos garotos que se identificavam com ele.

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