Pesadelo.
Uma da manhã. Despedi-me da minha namorada pelo celular, desejei uma boa noite e caí no sono.
Nada poderia ter me preparado para a experiência a seguir.
Adormecida, mas consciente da realidade ao meu redor, ouvi ruídos de porta batendo e de chaves balançando; luzes de uma suposta lanterna debaixo da fresta; e passos apressados dentro de casa.
Meu cérebro, a mil por hora, assimilava tudo aquilo de forma turbulenta, em contraste ao meu corpo inerte, incapaz de agir. Mesmo que eu abrisse a boca, nenhum som era emitido.
“Eu só quero acordar! Preciso me mexer!”
Sozinha, vulnerável e consumida por pavor dos pés à cabeça, me perdi no que pareceu ser uma eternidade, antecipando a angústia de uma possível violência com base no que meus ouvidos podiam captar.
Minha casa estava sendo violada e eu só podia torcer para que o mesmo não ocorresse ao meu corpo.
Depois de muito esforço mental, com um movimento súbito, sentei-me em minha própria cama e respirei fundo, como alguém que retorna à superfície depois de um longo mergulho. O coração acelerado não me permitia o raciocínio.
Segundos depois, diante do silêncio e da aparente tranquilidade noturna, deduzi: Foi só um pesadelo. Verifiquei o horário e constatei que todo aquele circo de horrores ocorreu menos de 20 minutos após minha última mensagem de texto enviada.
Sentindo o medo e a adrenalina se esvaírem de minhas veias, adormeci novamente, completamente exausta.
***
Pela manhã, acordei com uma surpresa: a visita de minha mãe, já em minha cozinha, com uma cesta de guloseimas carinhosamente preparada para mim. Apesar da alegria ao vê-la, não pude deixar de questionar: Como ela teria entrado, se não possuía nenhuma chave?
Dirigi-me até a porta e, com um calafrio na espinha, notei a madeira estilhaçada. Imediatamente lembrei do ocorrido na madrugada, percebendo, horrorizada, não ter se tratado de uma experiência meramente onírica.
Vizinhos relataram exatamente tudo o que ouvi com ainda mais detalhes, desde o ruído do arrombamento até o som da moto durante a fuga precoce (tendo em vista que nada fora levado) dos criminosos.
Descobri, posteriormente, que a intrusão fora premeditada, tendo como alvo o ex-policial cuja moradia ficava em frente à minha. Os invasores perceberam que estavam no endereço errado e se retiraram com pressa. Ironicamente, minha paralisia me salvou — pois se eu tivesse reagido ou simplesmente feito algum barulho, eles talvez tivessem me silenciado, até hoje.
A porta foi consertada e, logo que possível, fiz minha mudança. Graças a esse episódio, desenvolvi TEPT (Transtorno de Estresse Pós-Traumático), paranoias e uma certa tendência à psicose. Inferi, mais uma vez, que a realidade tem um potencial esmagador, podendo ser pior até mesmo que o mais sufocante pesadelo.
Até a culpa por ter sobrevivido sem nenhum dano físico me corroeu, sabendo da quantidade de mulheres que, todos os dias, são vítimas das mais terríveis atrocidades.
É difícil lidar com um psicológico que teme, a todo custo, a invasão, sendo capaz de “travar” o corpo por inteiro, mais forte que qualquer instinto de ataque ou defesa.
E você, consegue confiar na sua mente?
***
Nota final: este é um relato real. O episódio descrito ocorreu em outubro de 2020. Apenas agora, em junho de 2021, me senti à vontade para escrever e publicar a respeito.